A ausência congénita de dor

Curiosa e inesperadamente, para aqueles de nós que experienciamos dor no dia-a-dia e como parte integrante da nossa vida, a total ausência de dor é uma das doenças mais pessoalmente devastadoras que podem existir. E, no caso das neuropatias sensoriais autonómicas hereditárias (HSAN), em que se nasce sem a capacidade de sentir dor, é uma patologia frequentemente mortal antes de se atingir a idade adulta.

A ausência de dor impede o corpo de se proteger de agressões, internas e externas. Sem dor, as crianças estão em constante perigo. Engolem algo quente que lhes queima o esôfago. Partem o pescoço em brincadeiras demasiado perigosas. Queimam-se sem saber. Partem ossos e não choram. Por vezes, para proteger os pacientes mais novos, os médicos recorrem ao expediente de lhes remover todos os dentes de leite. Para os impedir de roer os lábios e as pontas dos dedos. Para os impedir de mastigar a língua e sangrar até a morte. Quando a dentição definitiva começa a sair, com sorte, serão suficientemente crescidos para compreender o perigo.

A dor é definida pela International Association for the Study of Pain como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada com dano real ou possível de tecidos, ou descrita em função desse dano. Existem diversos tipos de dor que podem ter diversas origens corporais e também origem psico-somática ou ilusória.

Estão neste momento identificadas várias mutações no ADN genómico que, quando presentes, levam a que se nasça sem a capacidade de sentir dor. Fala-se então de uma insensibilidade congénita à dor. Também foram identificadas algumas mutações que levam a um excesso de dor, e a sensações dolorosa despoletadas por estímulos normalmente inóquos, havendo genes que, dependendo da mutação que sustentaram, provocam uma ou outra das sintomatologia.

As mutações que promovem a insensibilidade à dor, impedem a transmissão da informação sensorial ao longo das fibras nervosas que sentem a dor corporal e a transmitem ao cérebro, onde se poderia tornar consciente. Algumas das mutações conhecidas impedem o funcionamento das fibras nervosas, enquanto outras impedem o desenvolvimento normal, ou a manutenção viável, dessas fibras no organismo. Sendo células vivas, num organismo preparado para ser plástico e mutável, os neurónios necessitam de receber (e compreender) sinais moleculares, chamados “tróficos”, que permitem ou promovem a sobrevivência celular.

A familia com que nos deparámos tinha cinco crianças afetadas, todas com ausência de dor, incapazes de sentir a temperatura, e que não suavam. Todos tinham dificuldades na cicatrização de feridas e apresentavam ligeiro atraso mental. Encontrámos uma mutação no gene do Nerve Growth Factor (NGF), um fator de crescimento envolvido na sobrevivência celular e na regulação do sistema imunitário. No caso desta familia a mutação identificada impedia a correta secreção da proteína codificada por este gene para o espaço extracelular, onde habitualmente atua.

Os nossos dados sugerem que existe um espectro de sintomas causado por mutações nos genes de NGFB e TRKA que afectam diferentemente a via de sinalização NGFB / TRKA. Quando há uma perda completa da via de sinalização por mutações em qualquer um destes genes, os sintomas que os pacientes apresentam enquadram-se na sintomatologia da HSAN 5.


Publicado por Ofélia Carvalho

Trainer de PNL e Doutorada em Ciências Biomédicas. Investigadora na área das neurociências e biologia molecular com mais de 20 anos de experiência. Consultora do "Panorama Social". Formada em "Time Line therapy", "Human Validation Model" de Virginia Satir, Comunicação generativa e Coaching sistémico.

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